Proposta de Emenda a
Constituição (pec) n°587/1998
Viviane Rocha Lira
A proposta em análise corresponde à inclusão de mais três
parágrafos ao art. 7°, do Capítulo II, do Título II da Constituição, a fim de
criar mais um direito trabalhista. A proposta foi apresentada pelo deputado
Luiz Roberto Ponte que integra o Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB),
do Estado do Rio Grande do Sul. Foi apresentada no Plenário em Março de 1998,
encaminhada posteriormente a mesa diretora da Câmara dos deputados, onde foi
realizada a leitura e publicação da matéria direcionando a Coordenação de
Comissões Permanentes a fim de que houvesse a votação, encontra-se arquivada
desde 1999, por não ter sido aprovada.
Trata-se de proposta de emenda à Constituição que tem por
finalidade conceder mais um direito ao trabalhador: o direito de escolha/
renúncia, ou seja, a partir da inclusão desse novo direito, o trabalhador
passaria a ter liberdade para escolher relação de emprego em que a remuneração
seja exclusivamente por hora efetiva de trabalho e a possibilidade de abrir
mão, caso achasse conveniente, de direitos trabalhistas a ele conferidos, para
em troca escolher receber aumento salarial de no mínimo 60%.
A
proposta em estudo, se aprovada, facultaria ao empregado a renúncia sob os
seguintes direitos: 13°salário; Adicional noturno; Descanso semanal remunerado;
Horas extras; Licença Paternidade; Aviso Prévio; Férias, jornada limitada para
trabalhos ininterruptos e Adicionais de insalubridade/periculosidade.
O Deputado Luiz
Roberto Ponte fundamentou a proposta alegando ser a legislação trabalhista
causadora das inúmeras demandas perante a Justiça do Trabalho e que a aprovação
de sua proposta reduziria significativamente o número de reclamações
trabalhistas. Defendeu serem as leis preconceituosas ao estabelecer o empregado
como hipossuficiente e incapaz de pactuar sua relação de emprego, demonstrando
ser essa visão que resulta a luta de classes (empregador versus empregado). E por fim sustentou serem tais direitos uma
grande despesa aos agentes econômicos que não são transferidas para seus
principais beneficiários.
A proposta acrescentaria três novos parágrafos, o 2°, o
3° e o 4°, ao art.7° da Constituição, com a seguinte redação, renumerando-se o
Parágrafo único para § 1°:
Art.7° §2° É livre ao trabalhador a escolha
de relação de emprego em que a remuneração seja exclusivamente por hora efetiva
de trabalho, substituindo os direitos previstos nos incisos I, VIII, IX, XIV,
XV, XVI, XVII, XIX, XXI e XXIII pelo direito ao acréscimo na remuneração da
hora trabalhada de no mínimo 60% (sessenta por cento).
§3°Ao
trabalhador que estiver com relação de emprego conforme o previsto no parágrafo
anterior, será assegurado:
I - salário mínimo horário
correspondente ao salário mínimo horário nacional acrescido de 60% (sessenta
por cento);
II-
repouso semanal não remunerado, preferencialmente aos domingos;
III
- gozo de férias anuais não remuneradas;
IV
- piso salarial da categoria, se houver, igual ao piso estabelecido para os
trabalhadores com relação de emprego que incluam os direitos a que se referem
os incisos mencionados no § 2°, acrescido de 60% (sessenta por cento).'"
§4°
Lei complementar poderá estabelecer o direito de o trabalhador escolher relação
de emprego que substitua por aumento da remuneração, parte dos direitos a que
se referem os incisos mencionados no § 2° devendo, para cada conjunto de
direitos passíveis de substituição, fixar os correspondentes acréscimos mínimos
na remuneração, ressalvado o disposto no § 3°, utilizando-se, porém, para os
acréscimos mencionados no seus incisos I e IV, os valores dos acréscimos
referidos neste parágrafo.
O principal impacto que tal proposta, se aceita,
provocaria ao sistema atual, concerne à perda do controle por parte do Estado,
no tocante a preservação dos direitos trabalhistas, uma vez que tais direitos
até então obrigatórios e irrenunciáveis passariam a ser facultativos e
renunciáveis.
A aquisição desse “suposto direito” que objetiva na
realidade suprimir direitos conquistados, seria um retrocesso ao sistema
jurídico vigente, pois estabeleceria um forte desequilíbrio nas relações
empregatícias, algo que o Estado tem buscado combater veemente por meio do
Direito do Trabalho e de suas garantias
que impõem limitações não somente ao empregador mas também ao empregado.
Os direitos trabalhistas que integram o rol de direitos
sociais visam à promoção da igualdade e tiveram origem na segunda fase/geração
dos direitos humanos, em um momento em
que a sociedade teve sua liberdade conquistada e sentiu a necessidade de chamar
o Estado a intervir positivamente em suas relações a fim de dar condições
mínimas de segurança econômica e subsistência.
O poder estatal enquanto interventor atua na defesa dos
interesses daquele que julga ser o mais fraco nas relações, e o trabalhador
assume essa posição de hipossuficiência baseado na subordinação, característica
inerente a ele, que se submete na esmagadora maioria das vezes às sujeições
impostas pelo empregador a fim de obter seu sustento.
O direito proposto por essa lei é incompatível com a
ideia de hipossuficiência, desampara o trabalhador sendo por isso
inconstitucional por não atender de um modo geral os princípios que norteiam o
Direito do Trabalho que têm como essência a proteção do trabalhador.
Partindo para uma análise principiológica, tal proposta
viola diretamente o princípio da irrenunciabilidade que se funda no caráter
alimentar do salário e justifica-se pela autonomia da vontade que, no Direito
do Trabalho, sofre limitação tornando nula a renúncia pelo empregado ao direito
a ele conferido, a fim de resguardá-lo por tratar-se de relação desigual; viola
o princípio da continuidade do contrato por propor a renúncia ao direito de
indenização por despedida arbitrária, etc.
Trata-se de uma tentativa de driblar o Direito do Trabalho,
criando brechas para que o empregador se livre da obrigatoriedade de cumprir os
encargos e despesas devidos, alegando ser esta a vontade do trabalhador.
Não há a menor possibilidade de viabilização dessa
proposta, ainda que deixássemos de lado a vedação existente pela supressão de
direitos, em virtude de 60% de acréscimo ser uma quantia absurdamente
desproporcional a quantidade de direitos renunciados.