Projeto de Lei nº 2868/2011 - Estende aos trabalhadores
avulsos e empregados o adicional de risco portuário
Pedro
Seorra Andolfatto
O Projeto em questão versa sobre o adicional de risco
portuário aos servidores, empregados da administração do porto e aos
trabalhadores avulsos. Foi proposto pelo deputado Carlos Bezerra, do PMDB do
Mato Grosso, o qual é formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade
Federal do Mato Grosso. Autor de diversos projetos de lei como o PL nº 1280/2011,
que veda a penhora do estabelecimento comercial, quando neste funcionar
essencialmente a atividade empresarial, e o PL 1212/2011, que versa sobre a
adoção consentida, no sentido de se permitir que sejam adotadas,
independentemente da ordem no Registro para Adoção, crianças e adolescentes que
tenham sido expressamente doados pelo genitor ou por pessoa que os tenha
acolhido em situação de perigo ou abandono. Há ainda outros projetos de lei de
autoria do Deputado Carlos Bezerra e parece engajado em questões de cunho social
e econômico.
A redação do projeto de lei em estudo foi apresentada pelo
deputado em 07 de Dezembro de 2011, e seu principal objetivo é estender aos
trabalhadores avulsos o adicional de risco portuário por tempo de serviço. O
projeto está em tramitação ordinária e foi recebido dia 19/12/2011 pela Mesa
Diretora da Câmara dos Deputados e em seguida foi encaminhado para a Comissão
de Trabalho, Administração e Serviço Público, onde está sendo analisado. Após
passar pela CTASP será encaminhado para as Comissões de Constituição e Justiça
e de Cidadania, para que estas possam dar seu parecer sobre o tema.
A Lei 4.860, de 26 de Novembro de 1965, a qual dispõe sobre
o regime de trabalho nos portos organizados terá seu artigo 14 reformado, se o
projeto em questão for aprovado. Neste mesmo artigo 14, está disposto que “a fim de remunerar os riscos relativos à
insalubridade, periculosidade e outros porventura existentes, fica instituído o
‘adicional de riscos’ de 40% que incidirá sobre o valor do salario-hora ordinário
do período diurno...”. Entretanto, de acordo com o artigo 19 da mesma lei,
as disposições desta devem ser aplicadas a todos os servidores ou empregados
pertencentes às Administrações dos Portos.
Trabalhadores avulsos são aqueles que não possuem vínculo empregatício
e, sindicalizados ou não, prestam serviço de natureza urbana ou rural a
diversas empresas tomadoras de mão de obra, com intervenção obrigatória do
sindicato da categoria (fora da faixa portuária) – Lei nº 1.2023/2009 – ou do
OGMO – Órgão Gestor de Mão-de-Obra – quando na faixa portuária. Geralmente tais
trabalhadores fazem o trabalho de carga e descarga, de embarcações, caminhões
(chapas), bem como trabalhos de ensacador de café, cacau e similares, entre
outros, como pode ser verificado no Decreto nº 2.173/97.
A intermediação funciona da seguinte maneira: os
trabalhadores avulsos são cadastrados no banco de dados do OGMO, que, quando
requisitado, recruta os trabalhadores e os direciona para a embarcação em que trabalharão,
carregando-a ou descarregando-a, além de serviços relacionados. Os trabalhadores
são chamados de um modo que todos façam, aproximadamente, o mesmo número de
serviços, sem que haja favorecimento de uns e prejuízo de outros.
Tal adicional de
riscos é devido sim aos trabalhadores portuários uma vez que neste ambiente de
trabalho coexistem diversos fatores de risco, tais como:
A – Ambientais:
Ruídos, gases, poeira, calor e ventilação;
B – Ergonômicos: A
organização do trabalho, ritmos de produção, posturas, serviços fatigantes;
além de postos de trabalho inadequados.
C – Operacionais:
Sinalizações deficientes, acesso inadequado às embarcações, guindastes
defeituosos, acessórios de estivagem sem certificação (lingas, ganchos, “quadro
posicionador”, gabões, etc.), máquinas transportadoras sem manutenção,
ferramentas inadequadas, falta de padrões operacionais, etc.
D – Infraestrutura
relacionada a questões de conforto, como banheiros, vestiários, área para
descanso, lazer, bebedouros, restaurantes e enfermarias, entre outros,
inadequada ou ausente.
Em virtude do artigo 19 da lei 14860/65
estabelecer que só serão beneficiários os servidores ou empregados pertencentes
às administrações dos portos, formou-se o entendimento de que os trabalhadores
avulsos não tem direito ao adicional de risco portuário. Entretanto em diversos
fóruns surgiram e surgem ações a respeito, nas quais diversos trabalhadores
avulsos pleiteiam o recebimento de tal benefício em virtude do Princípio da
Isonomia contido no artigo 7º, XXXIV, da Constituição de 1988, pelo qual são
estendidos aos trabalhadores avulsos todos os direito dos trabalhadores com
vínculo empregatício.
Apesar de toda essa argumentação, o
Tribunal Superior do Trabalho tem um posicionamento jurisprudencial em sentido
contrário, apontando que tal princípio constitucional é genérico e que,
portanto, se há uma lei específica tratando desse tipo de trabalho, o princípio
não pode ultrapassar a lei, mesmo porque tem o intuito de garantir aos
trabalhadores avulsos a gama mínima de direitos dos trabalhadores com vínculo
empregatício, não podendo os benefícios contidos em lei especial para uma
determinada categoria de trabalhadores ser estendidos a outros.
Este posicionamento do TST tem sido
mantido pelos Tribunais Regionais do Trabalho. Em quase todos os dissídios
decorrentes deste assunto, a argumentação usada pelos Tribunais para indeferir
o pleito dos trabalhadores avulsos da zona portuária é sempre nesta linha de
raciocínio, além do posicionamento de que como está expresso na lei quem é
beneficiário do adicional, estender sua aplicação a outra parcela de
trabalhadores, iria contra o princípio da legalidade.
Entretanto indo na mesma linha de
raciocínio que a utilizada pelo Deputado, Carlos Bezerra, autor do projeto em
epígrafe, pode-se chegar a outros princípios decorrentes do próprio Direito do
Trabalho e da Constituição, que justificariam a aprovação da nova redação da
lei, estendendo aos trabalhadores avulsos o benefício debatido.
Bom, tendo em vista o posicionamento do TST sobre a questão,
tal argumentação pode ser rebatida utilizando-se da regra de hermenêutica da
interpretação extensiva, isto porque o tema em discussão está em um rol de
direitos sociais e, portanto, ao se interpretar a lei, o grupo desfavorecido,
que no caso em pauta são os trabalhadores avulsos, poderia ser abrangido.
Outrossim, como pode-se verificar, tais trabalhadores são a
parte hipossuficiente da relação de trabalho e, portanto, baseando-se no
princípio da proteção, a lei deveria ser estendida a eles, mesmo porque, na
maioria dos casos são estes trabalhadores que realmente sofrem os riscos
decorrentes de sua atividade. Ora, não parece justo que um trabalhador da
administração do porto tenha direito a um adicional de risco e um trabalhador
avulso, que necessita carregar ou descarregar um navio, pegar botes para
alcançar os navios em alto mar e que deve fazer até trabalho de manutenção dos
cascos de navios, não.
Negar esse benefício a trabalhadores que realmente sofrem
riscos em suas atividades acaba indo sim contra o Princípio da Isonomia contido
em nossa Constituição. Ao se negar o benefício, infringe-se, também, o
Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pois negar a recompensa devida por um
trabalho arriscado, no mínimo impede que a pessoa tenha acesso a Direitos
Fundamentais, que no caso em questão é a saúde, como disposto no artigo 6º da
Carta Magna.
Além do já exposto, de acordo com o artigo 7º, XXIII, da
Constituição da República, “é direito do
trabalhador o adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres
ou perigosas, na forma da lei” e, por conseguinte, o adicional de risco
portuário tratado na Lei nº 4.860/65 deveria ser um direito do trabalhador
avulso, tendo em vista que este muitas vezes realiza trabalhos perigosos ou
insalubres.
A partir da apresentação feita sobre o assunto em tela
percebe-se que o Projeto de Lei 2868/2011 é pautado em diversos princípios,
tanto constitucionais, como do próprio Direito do Trabalho. A partir da análise
de tal projeto de lei à luz desses princípios verifica-se que este será benéfico
para os trabalhadores avulsos e ajudará na implementação do inciso I do artigo
3º da Constituição, que dispõe ser objetivo fundamental da República Federativa
do Brasil “construir uma sociedade livre,
justa e solidária”. Também fará com que o Princípio da Isonomia seja
realmente respeitado, sem que o chamado Princípio da Legalidade o venha
invalidar. Portanto tem-se que o Projeto de Lei é viável e bem fundamentado nos
princípios integrantes do ordenamento jurídico brasileiro.
Esperemos, então, que seja analisado e aprovado pelas
comissões em que deverá passar, e que os analistas possam se basear em
princípios que permitam uma igualdade real e possível entre os trabalhadores, e
que não haja uma dicotomia entre o disposto na Constituição e o que realmente ocorre
no dia-a-dia. Ao se pensar sobre a proposta do Deputado Carlos Bezerra,
chega-se a conclusão de que, caso seja aprovado, apenas vai garantir uma
igualdade de direitos que já está expressa na Carta Magna, mas que por conta do
Princípio da Legalidade, invocado pelos tribunais, ainda não está surtindo
efeitos.
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