segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Projeto de Lei nº 2868/2011 - Estende aos trabalhadores avulsos e empregados o adicional de risco portuário --- Pedro Seorra Andolfatto


 

 

Projeto de Lei nº 2868/2011 - Estende aos trabalhadores avulsos e empregados o adicional de risco portuário

 

Pedro Seorra Andolfatto 

 

O Projeto em questão versa sobre o adicional de risco portuário aos servidores, empregados da administração do porto e aos trabalhadores avulsos. Foi proposto pelo deputado Carlos Bezerra, do PMDB do Mato Grosso, o qual é formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal do Mato Grosso. Autor de diversos projetos de lei como o PL nº 1280/2011, que veda a penhora do estabelecimento comercial, quando neste funcionar essencialmente a atividade empresarial, e o PL 1212/2011, que versa sobre a adoção consentida, no sentido de se permitir que sejam adotadas, independentemente da ordem no Registro para Adoção, crianças e adolescentes que tenham sido expressamente doados pelo genitor ou por pessoa que os tenha acolhido em situação de perigo ou abandono. Há ainda outros projetos de lei de autoria do Deputado Carlos Bezerra e parece engajado em questões de cunho social e econômico.

A redação do projeto de lei em estudo foi apresentada pelo deputado em 07 de Dezembro de 2011, e seu principal objetivo é estender aos trabalhadores avulsos o adicional de risco portuário por tempo de serviço. O projeto está em tramitação ordinária e foi recebido dia 19/12/2011 pela Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e em seguida foi encaminhado para a Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público, onde está sendo analisado. Após passar pela CTASP será encaminhado para as Comissões de Constituição e Justiça e de Cidadania, para que estas possam dar seu parecer sobre o tema.

A Lei 4.860, de 26 de Novembro de 1965, a qual dispõe sobre o regime de trabalho nos portos organizados terá seu artigo 14 reformado, se o projeto em questão for aprovado. Neste mesmo artigo 14, está disposto que “a fim de remunerar os riscos relativos à insalubridade, periculosidade e outros porventura existentes, fica instituído o ‘adicional de riscos’ de 40% que incidirá sobre o valor do salario-hora ordinário do período diurno...”. Entretanto, de acordo com o artigo 19 da mesma lei, as disposições desta devem ser aplicadas a todos os servidores ou empregados pertencentes às Administrações dos Portos.

Trabalhadores avulsos são aqueles que não possuem vínculo empregatício e, sindicalizados ou não, prestam serviço de natureza urbana ou rural a diversas empresas tomadoras de mão de obra, com intervenção obrigatória do sindicato da categoria (fora da faixa portuária) – Lei nº 1.2023/2009 – ou do OGMO – Órgão Gestor de Mão-de-Obra – quando na faixa portuária. Geralmente tais trabalhadores fazem o trabalho de carga e descarga, de embarcações, caminhões (chapas), bem como trabalhos de ensacador de café, cacau e similares, entre outros, como pode ser verificado no Decreto nº 2.173/97.

A intermediação funciona da seguinte maneira: os trabalhadores avulsos são cadastrados no banco de dados do OGMO, que, quando requisitado, recruta os trabalhadores e os direciona para a embarcação em que trabalharão, carregando-a ou descarregando-a, além de serviços relacionados. Os trabalhadores são chamados de um modo que todos façam, aproximadamente, o mesmo número de serviços, sem que haja favorecimento de uns e prejuízo de outros.

Tal adicional de riscos é devido sim aos trabalhadores portuários uma vez que neste ambiente de trabalho coexistem diversos fatores de risco, tais como:

A – Ambientais: Ruídos, gases, poeira, calor e ventilação;

B – Ergonômicos: A organização do trabalho, ritmos de produção, posturas, serviços fatigantes; além de postos de trabalho inadequados.

C – Operacionais: Sinalizações deficientes, acesso inadequado às embarcações, guindastes defeituosos, acessórios de estivagem sem certificação (lingas, ganchos, “quadro posicionador”, gabões, etc.), máquinas transportadoras sem manutenção, ferramentas inadequadas, falta de padrões operacionais, etc.

D – Infraestrutura relacionada a questões de conforto, como banheiros, vestiários, área para descanso, lazer, bebedouros, restaurantes e enfermarias, entre outros, inadequada ou ausente.

Em virtude do artigo 19 da lei 14860/65 estabelecer que só serão beneficiários os servidores ou empregados pertencentes às administrações dos portos, formou-se o entendimento de que os trabalhadores avulsos não tem direito ao adicional de risco portuário. Entretanto em diversos fóruns surgiram e surgem ações a respeito, nas quais diversos trabalhadores avulsos pleiteiam o recebimento de tal benefício em virtude do Princípio da Isonomia contido no artigo 7º, XXXIV, da Constituição de 1988, pelo qual são estendidos aos trabalhadores avulsos todos os direito dos trabalhadores com vínculo empregatício.

Apesar de toda essa argumentação, o Tribunal Superior do Trabalho tem um posicionamento jurisprudencial em sentido contrário, apontando que tal princípio constitucional é genérico e que, portanto, se há uma lei específica tratando desse tipo de trabalho, o princípio não pode ultrapassar a lei, mesmo porque tem o intuito de garantir aos trabalhadores avulsos a gama mínima de direitos dos trabalhadores com vínculo empregatício, não podendo os benefícios contidos em lei especial para uma determinada categoria de trabalhadores ser estendidos a outros.

Este posicionamento do TST tem sido mantido pelos Tribunais Regionais do Trabalho. Em quase todos os dissídios decorrentes deste assunto, a argumentação usada pelos Tribunais para indeferir o pleito dos trabalhadores avulsos da zona portuária é sempre nesta linha de raciocínio, além do posicionamento de que como está expresso na lei quem é beneficiário do adicional, estender sua aplicação a outra parcela de trabalhadores, iria contra o princípio da legalidade.

Entretanto indo na mesma linha de raciocínio que a utilizada pelo Deputado, Carlos Bezerra, autor do projeto em epígrafe, pode-se chegar a outros princípios decorrentes do próprio Direito do Trabalho e da Constituição, que justificariam a aprovação da nova redação da lei, estendendo aos trabalhadores avulsos o benefício debatido.

Bom, tendo em vista o posicionamento do TST sobre a questão, tal argumentação pode ser rebatida utilizando-se da regra de hermenêutica da interpretação extensiva, isto porque o tema em discussão está em um rol de direitos sociais e, portanto, ao se interpretar a lei, o grupo desfavorecido, que no caso em pauta são os trabalhadores avulsos, poderia ser abrangido.

Outrossim, como pode-se verificar, tais trabalhadores são a parte hipossuficiente da relação de trabalho e, portanto, baseando-se no princípio da proteção, a lei deveria ser estendida a eles, mesmo porque, na maioria dos casos são estes trabalhadores que realmente sofrem os riscos decorrentes de sua atividade. Ora, não parece justo que um trabalhador da administração do porto tenha direito a um adicional de risco e um trabalhador avulso, que necessita carregar ou descarregar um navio, pegar botes para alcançar os navios em alto mar e que deve fazer até trabalho de manutenção dos cascos de navios, não.

Negar esse benefício a trabalhadores que realmente sofrem riscos em suas atividades acaba indo sim contra o Princípio da Isonomia contido em nossa Constituição. Ao se negar o benefício, infringe-se, também, o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, pois negar a recompensa devida por um trabalho arriscado, no mínimo impede que a pessoa tenha acesso a Direitos Fundamentais, que no caso em questão é a saúde, como disposto no artigo 6º da Carta Magna.

Além do já exposto, de acordo com o artigo 7º, XXIII, da Constituição da República, “é direito do trabalhador o adicional de remuneração para as atividades penosas, insalubres ou perigosas, na forma da lei” e, por conseguinte, o adicional de risco portuário tratado na Lei nº 4.860/65 deveria ser um direito do trabalhador avulso, tendo em vista que este muitas vezes realiza trabalhos perigosos ou insalubres.

A partir da apresentação feita sobre o assunto em tela percebe-se que o Projeto de Lei 2868/2011 é pautado em diversos princípios, tanto constitucionais, como do próprio Direito do Trabalho. A partir da análise de tal projeto de lei à luz desses princípios verifica-se que este será benéfico para os trabalhadores avulsos e ajudará na implementação do inciso I do artigo 3º da Constituição, que dispõe ser objetivo fundamental da República Federativa do Brasil “construir uma sociedade livre, justa e solidária”. Também fará com que o Princípio da Isonomia seja realmente respeitado, sem que o chamado Princípio da Legalidade o venha invalidar. Portanto tem-se que o Projeto de Lei é viável e bem fundamentado nos princípios integrantes do ordenamento jurídico brasileiro.

Esperemos, então, que seja analisado e aprovado pelas comissões em que deverá passar, e que os analistas possam se basear em princípios que permitam uma igualdade real e possível entre os trabalhadores, e que não haja uma dicotomia entre o disposto na Constituição e o que realmente ocorre no dia-a-dia. Ao se pensar sobre a proposta do Deputado Carlos Bezerra, chega-se a conclusão de que, caso seja aprovado, apenas vai garantir uma igualdade de direitos que já está expressa na Carta Magna, mas que por conta do Princípio da Legalidade, invocado pelos tribunais, ainda não está surtindo efeitos.

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

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