segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Projeto de Lei Nº 3760/2012 - assédio moral nas relações de trabalho --- Camila Pereira Pinto


Projeto de Lei Nº 3760/2012 - assédio moral nas relações de trabalho

                                                                              Camila Pereira Pinto

 

O presente texto tem como objetivo comentar o Projeto de Lei de nº 3760/2012 (PL 3760/2012), que dispõe sobre o assédio moral nas relações de trabalho. Este projeto de lei teve como autor o Deputado Edson Pimenta, membro do PSD/BA (Partido Social Democrático da Bahia). Edson Pimenta é agricultor e teve longa experiência sindical; foi vice-presidente da FETAG da Bahia (Federação dos Trabalhadores na Agricultura) entre os anos de 1990 e 1995, e presidente da mesma associação entre os anos de 1995 e 2006. Além disso, foi vice-presidente do Conselho Estadual da Secretaria do Trabalho e Ação Social da Bahia, no período de 2002 a 2006.

O PL 3760/2012 foi apresentado em 25 de abril de 2012 e, em 14 de maio 2012, apensado ao  PL 4593/2009. A apensação, ou seja, a junção dos projetos, ocorre quando há propostas semelhantes; o projeto mais novo é juntado ao mais antigo, para tramitarem conjuntamente[1]. O projeto de lei em questão está sujeito à apreciação conclusiva pelas Comissões, segundo o art. 24 II do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD), que dispõe que os projetos de lei distribuídos a uma comissão são apreciados, em regra, com poder conclusivo, dispensada a competência do Plenário, salvo se apresentado recurso ao Plenário[2].


            O assédio moral, tema deste projeto, é uma espécie de violência velada que, muitas vezes, passa despercebida. É um terror psicológico, que desequilibra a vítima e o ambiente de trabalho, paulatinamente. Edson Pimenta, na justificação do PL 3760/2012, propõe a seguinte conceituação para o assédio moral: "conduta abusiva e reiterada praticada contra o empregado pelo empregador ou por algum de seus prepostos com poder de mando sobre a vítima, deixando sequelas na saúde física e psíquica do trabalhador, vulnerando o ambiente laboral, configurando inequívoca afronta à dignidade da pessoa humana".

            A respeito do sujeito ativo do assédio moral, o artigo 2º do projeto de lei em questão inclui, além da opressão vertical, isto é, aquela exercida pelo superior ao seu subordinado, a possibilidade do assédio moral horizontal, que ocorre quando dois ou mais empregados debocham, ofendem ou prejudicam de qualquer forma o desempenho do trabalho de outro empregado. Interessante perceber que o PL considera também como assédio moral a omissão na prevenção ou na punição destes abusos, não somente a prática comissiva (artigo 1º, parágrafo 1º).

            Importante ressaltar a necessidade de reiteração das práticas abusivas, visto que o assédio moral se origina a partir de uma sequência de atos, não se caracterizando por uma única ação isolada, ainda que esta possa causar danos psicológicos ou morais ao trabalhador. Devem ser ocorrências habituais e direcionadas à desestabilização do empregado. Também não se caracteriza pela ocorrência de conflitos esporádicos entre colegas, pois problemas ocorrem em todas as relações, inclusive as laborais, em especial com o estresse que advém destas.

O assédio moral é um assunto de discussões recentes, que vem sendo tratado em diversas leis municipais e estaduais, mas não tem precedentes legais federais; nesse sentido, o PL 3760/2012 é inovador, pois propõe levá-lo ao nível federal. É essencial que se tenha uma lei federal dispondo acerca do assédio moral, pois vivemos em tempos em que imperam a modernização, a competitividade e a escassez dos postos de trabalho, o que leva as empresas a forçar cada vez mais o ritmo de seus empregados, contribuindo para a criação de um ambiente propício a distúrbios físicos e psíquicos. Os trabalhadores, por sua vez, submetem-se silenciosamente a este mal, temendo perder seus empregos[3].

Além de ferir a honra e a auto-estima do trabalhador, o assédio moral pode gerar prejuízos a sua saúde física ou psíquica, conforme diversos estudos das áreas médica e psicológica têm comprovado. O empregado submetido a tais situações vexatórias pode ter sintomas de depressão, tonturas, pressão alta, entre outros. Pode haver consequências ainda mais graves, como o suicídio, quando a pressão sentida pelo indivíduo é muito grande. O projeto de lei propõe que qualquer gasto do empregado com tratamento médico, decorrentes de lesões a sua saúde, seja pago pelo empregador (art. 2º, parágrafo 2º).

Engana-se quem imagina que o assédio moral é uma prática prejudicial apenas para o empregado. Francisco Mendes, citado por Jorge da Silva[4], evidencia a existência de riscos de sua ocorrência para a empresa, visto que tal prática provoca a deterioração do ambiente de trabalho e, consequentemente, uma diminuição importante do rendimento da equipe de empregados, ocasionando perdas para o empregador. Assim, a empresa acaba sendo vítima dos próprios indivíduos que a dirigem, que acabam por abusar de seu poder de mando para denegrir, inferiorizar e humilhar seus empregados. Esta reflexão traz mais uma razão para haver o interesse das empresas em proteger seus empregados, não sendo omissa quanto aos abusos suportados pelos trabalhadores, devendo responsabilizar quem os praticar. Cumpre ressaltar que, conforme o artigo 1º, parágrafo 2º, do PL 3760/2012, não se confunde com assédio moral o exercício do poder hierárquico e disciplinar do empregador e de seus prepostos nos limites da legalidade e do contrato de trabalho.

A humilhação é constantemente usada como instrumento de abuso de poder, subjugando os empregados. Segundo o Deputado Edson, os direitos humanos se tornaram verdadeiros parâmetros de mensuração e de validade das relações de trabalho e do exercício dos poderes proprietários (mando, fiscalização e disciplinador). A coibição do assédio moral, defendida por este projeto, surge em consonância, primeiramente, com Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o "princípio dos princípios" do Direito Constitucional. Segundo Ingo Wolfgang Sarlet[5]:

"temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos".  

A tutela ao trabalhador em relação a este tipo de assédio também tem fundamento no Princípio da Proteção, específico do Direito do Trabalho, que visa regular a subordinação do trabalhador em relação ao empregador, a qual possui natureza jurídica: este dita as regras, e aquele as obedece; assim, o princípio da proteção interfere para limitar a exploração da mão-de-obra, baseando-se na hipossuficiência do trabalhador - do ponto de vista econômico - dentro da relação de trabalho. Amauri Mascaro Nascimento[6], a respeito da relação entre o Princípio da Proteção e o assédio moral, leciona:

"Avança a proteção do trabalhador, o que reafirma o seu princípio básico protetor, para outras áreas das quais o direito do trabalho clássico não se ocupou ou o fez secundariamente sem a mesma força atual (p. ex., proibição de prática discriminatória e limitativa do acesso ao emprego, sua manutenção ou extinção, apoio às pessoas portadoras de deficiência inclusive com um sistema de quotas de vagas na empresa, indenização ao ofendido por dano moral, assédio moral ou assédio sexual (...))".

O PL 3760/2012 prevê o direito de indenização em relação à prática do ilícito de assédio moral, atribuindo-lhe natureza de dano moral, conforme o artigo 2º, parágrafo 3º. A indenização deverá ser mensurada pelo juiz segundo critérios inseridos no texto do projeto de lei, dentre eles: a situação econômica da vítima; a situação econômica do ofensor; a avaliação médica e psicológica, para verificar o dano e o nexo causal relacionado ao meio ambiente do trabalho. Mesmo sem previsão legal, a imposição de indenização por assédio moral já vem sendo reconhecida jurisprudencialmente pela Justiça do Trabalho, fato que tem contribuido muito para a redução das ocorrências de assédio moral. Somado a estas decisões acertadas da Justiça do Trabalho, o projeto de lei, se aprovado, tornará ainda mais efetiva a função transformadora do Direito, modificando a realidade vexatória que hoje existe em muitos postos de trabalho.

Em sua obra "Direito do Trabalho", Amauri Mascaro Nascimento demonstra a mudança do foco da tutela ao trabalhador nos últimos tempos[7]:

"A proteção do trabalhador deslocou-se dos aspectos econômicos para a defesa da sua pessoa e cidadania. Os direitos trabalhistas não são apenas patrimoniais; são, também, direitos e interesses morais: a reserva da intimidade, a proibição de atos discriminatórios, a indenização por dano moral e outras medidas de tutela da dignidade do ser humano que trabalha".

            É com a visão do autor que se conclui a importância da aprovação do Projeto de Lei de Nº 3760/2012, no sentido de prosseguir afirmando e tutelando os direitos do empregado, não somente por sua condição de trabalhador, mas também por sua condição humana, sendo-lhe inerente todo e qualquer tipo de proteção a fim de assegurar seu bem-estar, em todos os âmbitos de sua vida, inclusive o laboral. O trabalho é o meio pelo qual o indivíduo obtém seu sustento, constrói seus sonhos e se sente útil para a sociedade. É preciso garantir que o trabalhador seja estimulado no exercício de seu cargo, oferecendo-lhe perspectivas de crescimento pessoal, profissional e de independência financeira; sem isto, o trabalho não cumpre sua função social: garantir a dignidade da pessoa humana.

 

 

 



[1] Fonte: http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/69896.html
[2] Fonte: http://www.senado.gov.br/portaldoservidor/jornal/jornal120/processo_legislativo.aspx
[3] MARQUES JR., Fernando Antonio. Assédio moral no ambiente de trabalho: questões sócio-jurídicas. Ed. LTr, 2009. p. 11 e 12.
[4] SILVA, Jorge Luiz de Oliveira da. Assédio moral no ambiente de trabalho. Editoria e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005. p. 32.
[5] SARLET, Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na Constituição Federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007. p. 62.
[6] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho : história e teoria geral do direito do trabalho : relações individuais e coletivas do trabalho / Amauri Mascaro Nascimento. – 26. ed. – São Paulo : Saraiva, 2011. p. 473
[7] Nascimento, Amauri Mascaro Curso de direito do trabalho : história e teoria geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho / Amauri Mascaro Nascimento. – 26. ed. – São Paulo : Saraiva, 2011. p. 364

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