Projeto de Lei Nº 3760/2012 - assédio
moral nas relações de trabalho
Camila Pereira Pinto
O presente
texto tem como objetivo comentar o Projeto de Lei de nº 3760/2012 (PL 3760/2012),
que dispõe sobre o assédio moral nas relações de trabalho. Este projeto de lei
teve como autor o Deputado Edson Pimenta, membro do PSD/BA (Partido Social
Democrático da Bahia). Edson Pimenta é agricultor e teve longa experiência
sindical; foi vice-presidente da FETAG da Bahia (Federação dos Trabalhadores na
Agricultura) entre os anos de 1990 e 1995, e presidente da mesma associação
entre os anos de 1995 e 2006. Além disso, foi vice-presidente do Conselho
Estadual da Secretaria do Trabalho e Ação Social da Bahia, no período de 2002 a
2006.
O PL 3760/2012 foi apresentado em 25 de abril de 2012 e, em 14 de maio
2012, apensado ao PL 4593/2009. A
apensação, ou seja, a junção dos projetos, ocorre quando há propostas
semelhantes; o projeto mais novo é juntado ao mais antigo, para tramitarem
conjuntamente[1]. O projeto de lei em questão está sujeito à apreciação conclusiva pelas
Comissões, segundo o art. 24 II do Regimento Interno da Câmara
dos Deputados (RICD), que dispõe que os projetos de lei distribuídos a uma
comissão são apreciados, em regra, com poder conclusivo, dispensada a
competência do Plenário, salvo se apresentado recurso ao Plenário[2].
O assédio moral, tema deste projeto,
é uma espécie de violência velada que, muitas vezes, passa despercebida. É um
terror psicológico, que desequilibra a vítima e o ambiente de trabalho,
paulatinamente. Edson Pimenta, na justificação do PL 3760/2012, propõe a
seguinte conceituação para o assédio moral: "conduta abusiva e reiterada
praticada contra o empregado pelo empregador ou por algum de seus prepostos com
poder de mando sobre a vítima, deixando sequelas na saúde física e psíquica do
trabalhador, vulnerando o ambiente laboral, configurando inequívoca afronta à
dignidade da pessoa humana".
A respeito do sujeito ativo do
assédio moral, o artigo 2º do projeto de lei em questão inclui, além da
opressão vertical, isto é, aquela exercida pelo superior ao seu subordinado, a
possibilidade do assédio moral horizontal, que ocorre quando dois ou mais
empregados debocham, ofendem ou prejudicam de qualquer forma o desempenho do
trabalho de outro empregado. Interessante perceber que o PL considera também como
assédio moral a omissão na prevenção ou na punição destes abusos, não somente a
prática comissiva (artigo 1º, parágrafo 1º).
Importante ressaltar a necessidade
de reiteração das práticas abusivas, visto que o assédio moral se origina a
partir de uma sequência de atos, não se caracterizando por uma única ação
isolada, ainda que esta possa causar danos psicológicos ou morais ao
trabalhador. Devem ser ocorrências habituais e direcionadas à desestabilização
do empregado. Também não se caracteriza pela ocorrência de conflitos
esporádicos entre colegas, pois problemas ocorrem em todas as relações,
inclusive as laborais, em especial
com o estresse que advém destas.
O assédio moral é um assunto de discussões recentes, que vem sendo
tratado em diversas leis municipais e estaduais, mas não tem precedentes legais
federais; nesse sentido, o PL 3760/2012 é inovador, pois propõe levá-lo ao
nível federal. É essencial que se tenha uma lei federal dispondo acerca do
assédio moral, pois vivemos em tempos em que imperam a modernização, a
competitividade e a escassez dos postos de trabalho, o que leva as empresas a
forçar cada vez mais o ritmo de seus empregados, contribuindo para a criação de
um ambiente propício a distúrbios físicos e psíquicos. Os trabalhadores, por
sua vez, submetem-se silenciosamente a este mal, temendo perder seus empregos[3].
Além de ferir a honra e a auto-estima do trabalhador, o assédio moral pode
gerar prejuízos a sua saúde física ou psíquica, conforme diversos estudos das
áreas médica e psicológica têm comprovado. O empregado submetido a tais
situações vexatórias pode ter sintomas de depressão, tonturas, pressão alta,
entre outros. Pode haver consequências ainda mais graves, como o suicídio,
quando a pressão sentida pelo indivíduo é muito grande. O projeto de lei propõe
que qualquer gasto do empregado com tratamento
médico, decorrentes de lesões a sua saúde, seja pago pelo empregador (art. 2º,
parágrafo 2º).
Engana-se quem
imagina que o assédio moral é uma prática prejudicial apenas para o empregado.
Francisco Mendes, citado por Jorge da Silva[4],
evidencia a existência de riscos de sua ocorrência para a empresa, visto que tal
prática provoca a deterioração do ambiente de trabalho e, consequentemente, uma
diminuição importante do rendimento da equipe de empregados, ocasionando perdas
para o empregador. Assim, a empresa acaba sendo vítima dos próprios indivíduos
que a dirigem, que acabam por abusar de seu poder de mando para denegrir,
inferiorizar e humilhar seus empregados. Esta reflexão traz mais uma razão para
haver o interesse das empresas em proteger seus empregados, não sendo omissa
quanto aos abusos suportados pelos trabalhadores, devendo responsabilizar quem
os praticar. Cumpre ressaltar que, conforme o artigo 1º, parágrafo 2º, do PL
3760/2012, não se confunde com assédio moral o exercício do poder hierárquico e
disciplinar do empregador e de seus prepostos nos limites da legalidade e do
contrato de trabalho.
A humilhação é constantemente usada como instrumento de abuso de poder,
subjugando os empregados. Segundo
o Deputado Edson, os direitos humanos se tornaram verdadeiros parâmetros de
mensuração e de validade das relações de trabalho e do exercício dos poderes
proprietários (mando, fiscalização e disciplinador). A coibição do
assédio moral, defendida por este projeto, surge em consonância, primeiramente,
com Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, o "princípio dos princípios"
do Direito Constitucional. Segundo Ingo Wolfgang Sarlet[5]:
"temos por
dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser
humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado
e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres
fundamentais que asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais
mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação
ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão
com os demais seres humanos".
A tutela ao trabalhador em relação a este tipo de assédio também tem
fundamento no Princípio da Proteção, específico do Direito do Trabalho, que
visa regular a subordinação do trabalhador em relação ao empregador, a qual
possui natureza jurídica: este dita as regras, e aquele as obedece; assim, o
princípio da proteção interfere para limitar a exploração da mão-de-obra,
baseando-se na hipossuficiência do trabalhador - do ponto de vista econômico -
dentro da relação de trabalho. Amauri Mascaro Nascimento[6],
a respeito da relação entre o Princípio da Proteção e o assédio moral, leciona:
"Avança a proteção do trabalhador, o que reafirma
o seu princípio básico protetor, para outras áreas das quais o direito do
trabalho clássico não se ocupou ou o fez secundariamente sem a mesma força atual
(p. ex., proibição de prática discriminatória e limitativa do acesso ao
emprego, sua manutenção ou extinção, apoio às pessoas portadoras de deficiência
inclusive com um sistema de quotas de vagas na empresa, indenização ao ofendido por dano moral, assédio moral ou assédio sexual (...))".
O PL 3760/2012 prevê o direito de indenização em relação à prática do
ilícito de assédio moral, atribuindo-lhe natureza de dano moral, conforme o
artigo 2º, parágrafo 3º. A indenização deverá ser mensurada pelo juiz segundo
critérios inseridos no texto do projeto de lei, dentre eles: a situação
econômica da vítima; a situação econômica do ofensor; a avaliação médica e psicológica, para
verificar o dano e o nexo causal relacionado ao meio ambiente do trabalho. Mesmo
sem previsão legal, a imposição de indenização por assédio moral já vem sendo
reconhecida jurisprudencialmente pela Justiça do Trabalho, fato que tem
contribuido muito para a redução das ocorrências de assédio moral. Somado a
estas decisões acertadas da Justiça do Trabalho, o projeto de lei, se aprovado,
tornará ainda mais efetiva a função transformadora do Direito, modificando a
realidade vexatória que hoje existe em muitos postos de trabalho.
Em sua obra
"Direito do Trabalho", Amauri Mascaro Nascimento demonstra a mudança
do foco da tutela ao trabalhador nos últimos tempos[7]:
"A
proteção do trabalhador deslocou-se dos aspectos econômicos para a defesa da
sua pessoa e cidadania. Os direitos trabalhistas não são apenas patrimoniais;
são, também, direitos e interesses morais: a reserva da intimidade, a proibição
de atos discriminatórios, a indenização por dano moral e outras medidas de
tutela da dignidade do ser humano que trabalha".
É
com a visão do autor que se conclui a importância da aprovação do Projeto de
Lei de Nº 3760/2012, no
sentido de prosseguir afirmando e tutelando os direitos do empregado, não
somente por sua condição de trabalhador, mas também por sua condição humana,
sendo-lhe inerente todo e qualquer tipo de proteção a fim de assegurar seu bem-estar,
em todos os âmbitos de sua vida, inclusive o laboral. O trabalho é o meio pelo
qual o indivíduo obtém seu sustento, constrói seus sonhos e se sente útil para
a sociedade. É preciso garantir que o trabalhador seja estimulado no exercício
de seu cargo, oferecendo-lhe perspectivas de crescimento pessoal, profissional
e de independência financeira; sem isto, o trabalho não cumpre sua função
social: garantir a dignidade da pessoa humana.
[1]
Fonte: http://www2.camara.gov.br/agencia/noticias/69896.html
[2]
Fonte: http://www.senado.gov.br/portaldoservidor/jornal/jornal120/processo_legislativo.aspx
[3]
MARQUES JR., Fernando Antonio. Assédio moral no ambiente de trabalho: questões
sócio-jurídicas. Ed. LTr, 2009. p. 11 e 12.
[4]
SILVA, Jorge Luiz de Oliveira da. Assédio moral no ambiente de trabalho.
Editoria e Livraria Jurídica do Rio de Janeiro, 2005. p. 32.
[5]
SARLET,
Ingo Wolfgang. Dignidade da Pessoa Humana e Direitos Fundamentais na
Constituição Federal de 1988. 5. ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007.
p. 62.
[6]
NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho : história e teoria
geral do direito do trabalho : relações individuais e coletivas do trabalho /
Amauri Mascaro Nascimento. – 26. ed. – São Paulo : Saraiva, 2011. p. 473
[7]
Nascimento, Amauri Mascaro Curso de direito do trabalho : história e teoria
geral do direito do trabalho: relações individuais e coletivas do trabalho /
Amauri Mascaro Nascimento. – 26. ed. – São Paulo : Saraiva, 2011. p. 364
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