segunda-feira, 10 de dezembro de 2012

Projeto de Lei nº1291/2011 - diz respeito ao exercício de profissão de músico no Brasil --- ISABELLA DE BRITO VIANNA PEDRETTI


 

Projeto de Lei nº1291/2011 - diz respeito ao exercício de profissão de músico no Brasil

 

ISABELLA DE BRITO VIANNA PEDRETTI

 

            Trata-se do projeto de Lei nº1291/2011, que diz respeito ao exercício de profissão de músico no Brasil e revoga a Lei nº 3.857, de 22 de dezembro de 1960, e dá outras providências. O projeto foi criado pelo Deputado Federal Carlos Alberto Manato, integrante do Partido Democrata Trabalhista – PDT e suplente da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e da Comissão Social da Seguridade e Família. A proposta de Lei foi apresentada ao Plenário em 10/05/2011 e foi apensada em 25/05/2011 ao PL nº1366/2007, o qual, atualmente, está aguardando parecer na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público (CTASP).

            O tema versa sobre a regulamentação da profissão de músico no país, debatendo sobre a desnecessidade de existência da Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), como impõe a Lei nº 3.857/1960, para qualificar alguém como músico. Discute o projeto que qualquer manifestação artística, como a música, deve ser feita de forma livre, não sendo necessária uma filiação a algum órgão, como à OMB, para regularizar tal profissão.

            A proposta feita pelo autor é de caráter plenamente inovador comparada à Lei nº 3.857/1960, criada nos tempos em que o Regime da Militar ainda existia no país. É de se perceber o autoritarismo imposto pelo Estado nos artigos da respectiva Lei, a qual determina meios de punição, por exemplo, para aqueles que mediante qualquer tipo de propaganda se vincular a profissão de músico sem estar inscrito ou aprovado na OMB[1].

            Além disso, o mesmo dispositivo ao longo de seu conteúdo classifica e enumera o papel de cada músico[2], fator que, em tempos atuais, se encontra totalmente ultrapassado em decorrência de manifestações artísticas, principalmente na área musical, cada vez mais ricas, seja em termos de ritmos, instrumentos ou estilos.

            Já foram objeto de discussão no judiciário, matérias semelhantes à tratada pelo Projeto de Lei nº1291/2011, as quais também discutem profissões que, de alguma forma, não necessitam de alguma filiação ou critério qualificador para que aqueles que as praticam possam ser reconhecidos como profissionais.

            Um exemplo de discussão é o Recurso Extraordinário nº511.961 julgado no Supremo Tribunal Federal (STF), o qual versa sobre a regulamentação da profissão dos jornalistas e a revogação do Decreto Lei nº 962/69.  O Relator do caso, o Ministro Gilmar Mendes, foi claro em seu voto ao argumentar que a Constituição, em seu Art 5º, inciso XIII[3], apenas regulamenta as profissões que podem causar danos a terceiros, como a medicina e a engenharia.  Desta forma, profissões como o jornalismo e como a música, caso não sejam exercidas de forma "agradável" ao público apenas sofreriam uma certa rejeição, mas não um dano efetivo ou até mesmo irreparável.

             Ademais, em ambas as profissões, apesar de ser notória a importância da freqüência de aulas ou cursos, não exigem obrigatoriamente um preparo técnico ou um curso profissionalizante para que possam ser praticadas. Não são raros os casos de crianças que se destacaram no ambiente musical e que, portanto, não frequentaram ou obtiveram algum diploma de alguma faculdade.  

            Segundo o Min. Gilmar Mendes, os entendimentos expostos no acórdão do Recurso Extraordinário, os quais apontam uma exigência quanto à qualificação pessoal para o exercício das atividades elencadas, afrontariam o princípio da proporcionalidade. Para o Relator, há de se ter uma ponderação e equilíbrio entre aquilo que se pretende restringir e aquilo que o legislador objetivou. Como já discutido, o legislador se referiu apenas a profissões que poderiam causar danos a terceiros e, o Estado, ao fazer uma restrição maior, acabou extrapolando os limites da proporcionalidade e invadiu o campo da liberdade individual.

            Os argumentos, utilizados pelo Ministro no Recurso Extraordinário ora exposto, também podem ser utilizados em relação aos músicos, como aponta Gilmar Mendes:

 "o mesmo raciocínio deve ser válido para músicos e artistas em geral, cujo exercício profissional deve estar sob o âmbito de proteção do direito fundamental à livre expressão da atividade artística, intelectual e de comunicação, tal como expressamente previsto no inciso IX do art. 5º da Constituição [4]".

Argumentos semelhantes ao RE nº 511.961 foram utilizados na ADPF 183 pela Procuradora Debora Duprah, processo ainda em trâmite no STF, mas que trata da regulamentação da profissão de músico, e que é trazido pelo projeto de Lei ora em comento.  Argumenta ela que não há como se exigir a filiação a algum órgão, como a OMB, para a manifestação da arte e que configura uma ofensa à liberdade de expressão (principio constitucional) fiscalizar e até punir, o exercício de uma atividade artística. É em relação a esse principio, que o Ministro mais uma vez acrescenta:

 "Não se trata apenas de verificar a adequação de uma condição restritiva para o exercício da profissão, mas de constatar que, num âmbito de livre expressão, o estabelecimento de qualificações profissionais é terminantemente proibido pela ordem constitucional, e a lei que assim proceder afronta diretamente o art. 5o, inciso XIII, da Constituição".

            É válido mencionar que a Lei, que se pretende revogar, ainda causa efeitos em uma esfera atual não condizente com a realidade a qual foi criada.

            Em decorrência da Lei nº 3.857/1960, situações inusitadas e absurdas aconteceram em meio a uma era marcada pela democracia. O projeto de Lei em discussão traz um exemplo de um acontecimento dotado de conservadorismo, frequentes na Ditadura Militar, porém não nos dias de hoje. Trata-se de um Mandado de Segurança que foi impetrado na Justiça Federal de São Paulo contra a OMB, pela Igreja Pentecostal Deus, em que uma banda que se apresentava durante um culto religioso na respectiva Igreja foi proibida de tocar, pois, os músicos integrantes não tinham registro perante o órgão. Tal comportamento exercido pelo Estado, por meio dos oficiais de justiça, além violar os princípios já comentados, também violou o princípio da liberdade de manifestação de crença e cultos, previstos no Art 5º, inciso VI, da Constituição[5].

            Sendo assim, o Projeto de Lei nº1291/2011 não só é plenamente constitucional, mas, também, pretende revogar uma Lei que é dotada de inconstitucionalidade. Conforme apontado anteriormente, proibir uma manifestação artística musical por consequência da não filiação a um determinado órgão, que, reiterando, foi criado durante o Regime Militar, viola os princípios da liberdade de expressão, proporcionalidade e liberdade individual.

            Exemplos como estes refletem o panorama que se vive hoje. Muitos dispositivos ainda presentes no ordenamento jurídico estão ultrapassados e devem ser discutidos. Tanto o Decreto Lei n° 972/69 quanto a Lei nº 3.857/1960 foram criados em tempos em que qualquer manifestação era reprimida, o que, atualmente, não é mais aceitável.

            Deste modo, acredito que o PL 1291/2001 deve ser debatido e aceito, a fim de revogar uma Lei que não condiz com a realidade atual e promover uma modernização em decorrência não só dos costumes e concepções atuais mas, também, do regime democrático em que vivemos hoje.

           



[1] Art. 18 - Todo aquele que, mediante anúncios, cartazes, placas, cartões comerciais ou quaisquer outros meios de propaganda se propuser ao exercício da profissão de músico, em qualquer de seus gêneros e especialidades, fica sujeito às penalidades aplicáveis ao exercício ilegal da profissão, se não estiver devidamente registrado.
[2] Art. 33 - Incumbe privativamente ao instrumentista:
a) realizar recitais individuais;
b) participar como solista de orquestras sinfônicas ou populares;
c) integrar conjuntos de música de câmera;
d) participar de orquestras sinfônicas, dramáticas, religiosas ou populares, ou de bandas de música;
e) ser acompanhador, se organista, pianista, violinista ou acordeonista;
[3] CF, Art 5º, XIII - é livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer;
[4] CF, Art 5º, IX - é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;
 
[5] VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
 

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