Projeto de Lei nº1291/2011 -
diz
respeito ao exercício de profissão de músico no Brasil
ISABELLA DE BRITO VIANNA
PEDRETTI
Trata-se
do projeto de Lei nº1291/2011, que diz respeito ao exercício de
profissão de músico no Brasil e revoga a Lei nº 3.857, de 22 de dezembro de
1960, e dá outras providências. O projeto foi criado pelo Deputado Federal
Carlos Alberto Manato, integrante do Partido Democrata Trabalhista – PDT e
suplente da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados e da Comissão Social da
Seguridade e Família. A proposta de Lei foi apresentada ao Plenário em
10/05/2011 e foi apensada em 25/05/2011 ao PL nº1366/2007, o qual, atualmente,
está aguardando parecer na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço
Público (CTASP).
O tema versa sobre a regulamentação
da profissão de músico no país, debatendo sobre a desnecessidade de existência
da Ordem dos Músicos do Brasil (OMB), como impõe a Lei nº 3.857/1960, para
qualificar alguém como músico. Discute o projeto que qualquer manifestação
artística, como a música, deve ser feita de forma livre, não sendo necessária
uma filiação a algum órgão, como à OMB, para regularizar tal profissão.
A proposta feita pelo autor é de
caráter plenamente inovador comparada à Lei nº 3.857/1960, criada nos tempos em
que o Regime da Militar ainda existia no país. É de se perceber o autoritarismo
imposto pelo Estado nos artigos da respectiva Lei, a qual determina meios de
punição, por exemplo, para aqueles que mediante qualquer tipo de propaganda se
vincular a profissão de músico sem estar inscrito ou aprovado na OMB[1].
Além disso, o mesmo dispositivo ao
longo de seu conteúdo classifica e enumera o papel de cada músico[2],
fator que, em tempos atuais, se encontra totalmente ultrapassado em decorrência
de manifestações artísticas, principalmente na área musical, cada vez mais
ricas, seja em termos de ritmos, instrumentos ou estilos.
Já foram objeto de discussão no
judiciário, matérias semelhantes à tratada pelo Projeto de Lei nº1291/2011, as
quais também discutem profissões que, de alguma forma, não necessitam de alguma
filiação ou critério qualificador para que aqueles que as praticam possam ser
reconhecidos como profissionais.
Um exemplo de discussão é o Recurso
Extraordinário nº511.961 julgado no Supremo Tribunal Federal (STF), o qual
versa sobre a regulamentação da profissão dos jornalistas e a revogação do
Decreto Lei nº 962/69. O Relator do
caso, o Ministro Gilmar Mendes, foi claro em seu voto ao argumentar que a
Constituição, em seu Art 5º, inciso XIII[3],
apenas regulamenta as profissões que podem causar danos a terceiros, como a
medicina e a engenharia. Desta forma,
profissões como o jornalismo e como a música, caso não sejam exercidas de forma
"agradável" ao público apenas sofreriam uma certa rejeição, mas não
um dano efetivo ou até mesmo irreparável.
Ademais, em ambas as profissões, apesar de ser
notória a importância da freqüência de aulas ou cursos, não exigem
obrigatoriamente um preparo técnico ou um curso profissionalizante para que
possam ser praticadas. Não são raros os casos de crianças que se destacaram no
ambiente musical e que, portanto, não frequentaram ou obtiveram algum diploma
de alguma faculdade.
Segundo o Min. Gilmar Mendes, os entendimentos
expostos no acórdão do Recurso Extraordinário, os quais apontam uma exigência
quanto à qualificação pessoal para o exercício das atividades elencadas,
afrontariam o princípio da proporcionalidade. Para o Relator, há de se ter uma
ponderação e equilíbrio entre aquilo que se pretende restringir e aquilo que o
legislador objetivou. Como já discutido, o legislador se referiu apenas a
profissões que poderiam causar danos a terceiros e, o Estado, ao fazer uma
restrição maior, acabou extrapolando os limites da proporcionalidade e invadiu
o campo da liberdade individual.
Os argumentos, utilizados pelo
Ministro no Recurso Extraordinário ora exposto, também podem ser utilizados em
relação aos músicos, como aponta Gilmar Mendes:
"o mesmo raciocínio deve ser válido para músicos e
artistas em geral, cujo exercício profissional deve estar sob o âmbito de
proteção do direito fundamental à livre expressão da atividade artística,
intelectual e de comunicação, tal como expressamente previsto no inciso IX do
art. 5º da Constituição [4]".
Argumentos semelhantes ao RE nº 511.961
foram utilizados na ADPF 183 pela Procuradora Debora Duprah, processo ainda em trâmite
no STF, mas que trata da regulamentação da profissão de músico, e que é trazido
pelo projeto de Lei ora em comento. Argumenta
ela que não há como se exigir a filiação a algum órgão, como a OMB, para a
manifestação da arte e que configura uma ofensa à liberdade de expressão
(principio constitucional) fiscalizar e até punir, o exercício de uma atividade
artística. É em relação a esse principio, que o Ministro mais uma vez acrescenta:
"Não
se trata apenas de verificar a adequação de uma condição restritiva para o
exercício da profissão, mas de constatar que, num âmbito de livre expressão, o
estabelecimento de qualificações profissionais é terminantemente proibido pela
ordem constitucional, e a lei que assim proceder afronta diretamente o art. 5o,
inciso XIII, da Constituição".
É
válido mencionar que a Lei, que se pretende revogar, ainda causa efeitos em uma
esfera atual não condizente com a realidade a qual foi criada.
Em decorrência da Lei nº 3.857/1960,
situações inusitadas e absurdas aconteceram em meio a uma era marcada pela
democracia. O projeto de Lei em discussão traz um exemplo de um acontecimento
dotado de conservadorismo, frequentes na Ditadura Militar, porém não nos dias
de hoje. Trata-se de um Mandado de Segurança que foi impetrado na Justiça
Federal de São Paulo contra a OMB, pela Igreja Pentecostal Deus, em que uma
banda que se apresentava durante um culto religioso na respectiva Igreja foi
proibida de tocar, pois, os músicos integrantes não tinham registro perante o órgão.
Tal comportamento exercido pelo Estado, por meio dos oficiais de justiça, além
violar os princípios já comentados, também violou o princípio da liberdade de
manifestação de crença e cultos, previstos no Art 5º, inciso VI, da
Constituição[5].
Sendo assim, o Projeto de Lei
nº1291/2011 não só é plenamente constitucional, mas, também, pretende revogar
uma Lei que é dotada de inconstitucionalidade. Conforme apontado anteriormente,
proibir uma manifestação artística musical por consequência da não filiação a
um determinado órgão, que, reiterando, foi criado durante o Regime Militar, viola
os princípios da liberdade de expressão, proporcionalidade e liberdade
individual.
Exemplos como estes refletem o
panorama que se vive hoje. Muitos dispositivos ainda presentes no ordenamento
jurídico estão ultrapassados e devem ser discutidos. Tanto o Decreto Lei n° 972/69
quanto a Lei nº 3.857/1960
foram criados em tempos em que qualquer manifestação era reprimida, o que,
atualmente, não é mais aceitável.
Deste modo, acredito que o PL
1291/2001 deve ser debatido e aceito, a fim de revogar uma Lei que não condiz
com a realidade atual e promover uma modernização em decorrência não só dos
costumes e concepções atuais mas, também, do regime democrático em que vivemos
hoje.
[1] Art. 18 - Todo
aquele que, mediante anúncios, cartazes, placas, cartões comerciais ou
quaisquer outros meios de propaganda se propuser ao exercício da profissão de
músico, em qualquer de seus gêneros e especialidades, fica sujeito às
penalidades aplicáveis ao exercício ilegal da profissão, se não estiver
devidamente registrado.
[2] Art. 33 - Incumbe
privativamente ao instrumentista:
a) realizar recitais individuais;
b) participar como solista de orquestras sinfônicas ou populares;
c) integrar conjuntos de música de câmera;
d) participar de orquestras sinfônicas, dramáticas, religiosas ou populares, ou de bandas de música;
e) ser acompanhador, se organista, pianista, violinista ou acordeonista;
a) realizar recitais individuais;
b) participar como solista de orquestras sinfônicas ou populares;
c) integrar conjuntos de música de câmera;
d) participar de orquestras sinfônicas, dramáticas, religiosas ou populares, ou de bandas de música;
e) ser acompanhador, se organista, pianista, violinista ou acordeonista;
[3] CF,
Art 5º, XIII - é livre o exercício de qualquer
trabalho, ofício ou profissão, atendidas as qualificações profissionais que a
lei estabelecer;
[4] CF,
Art 5º, IX - é livre a expressão da atividade
intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de
censura ou licença;
[5] VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença,
sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma
da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;
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